Eu não sou especial, só sou como todo mundo

Esses dias atrás eu compartilhei na página da L2 no Facebook uma lista do Buzzfeed com várias frases que as pessoas com deficiência não aguentam mais ouvir. Aliás, você já curtiu a nossa página lá no Facebook? Pois deveria, já que lá nós compartilhamos um monte de coisas legais sobre inclusão e sobre as pessoas com deficiência.

Bom, mas voltando à lista do Buzzfeed, dois dos itens da lista me chamaram bastante a atenção.

Por que uma pessoa não iria querer ser vista como um exemplo de superação ou como uma guerreira? Parece estranho né?

Eu também tinha essa visão quando comecei a conviver com esse universo. Achava que qualquer pessoa gostaria de ser vista dessa forma. Mas com o tempo eu comecei a ver que muitas pessoas se sentiam incomodadas com essa visão. Fui investigando para entender os motivos disso e cheguei a algumas conclusões.

Eu sou especial mesmo?

Foi um certo choque pra mim quando eu descobri que muitas pessoas com deficiência não se viam como especiais em nada. Pra quem não tem deficiência é muito difícil compreender que a pessoa com deficiência simplesmente vive a vida dela o melhor que ela pode, e faz isso com naturalidade. Aquilo que para nós é uma superação incrível, para a pessoa com deficiência é uma quarta-feira monótona, literalmente. As pessoas com deficiência costumam se ver mais como uma pessoa que enfrenta uma série de dificuldades, justamente como qualquer outra. Seria algo como entender que algumas pessoas não conseguem aprender matemática, outras não se lembram do número da identidade, outras não conseguem configurar o modem de internet e outras não enxergam. Cada uma dessas dificuldades vai atrapalhar em algum momento, mas não em todos. Então, é claro que é difícil subir uma calçada nada acessível com uma cadeira de rodas, mas não há muita dificuldade de se locomover com ela em ambientes planos e livres, como muitas praças, por exemplo. E que andar por uma estação do metrô no horário de pico é difícil até se você voar. Sem contar que com o tempo a pessoa vai criando mecanismos que pouco a pouco vão facilitando as atividades em que ela tem dificuldade. Aliás, como qualquer outra pessoa. E isso nos leva a outra coisa que as pessoas com deficiência pensam.

Não somos mais que ninguém!

E nem menos, é claro. É muito comum idealizar a pessoa com deficiência, como se ela fosse um ser especial e mais forte do que os outros. As PcDs choram, têm medo, pensam na deficiência, ficam tristes com as limitações, têm raiva quando são discriminadas e até mesmo têm depressão por causa das limitações causadas pela deficiência. São reações perfeitamente naturais, mas que muitas vezes são ignoradas pelos outros porque não convivem o suficiente com a PcD. Há também muitos relatos de pessoas que encaram a PcD como alguém quase angelical, sem falhas morais e éticas. Pode parecer estranho isso (para mim parece), mas esse é um relato comum. É bizarro que seja necessário dizer que há pessoas com deficiência com todos os tipos de índoles, que há pessoas bem e mal intencionadas e que a honestidade não vêm com a deficiência. Mas muitas vezes é necessário dizer. Mas pensando com mais cuidado, essa idealização moral não passa de mais uma das facetas do preconceito, que considera a pessoa com deficiência “menos esperta” e por isso incapaz de enganar os outros. Mais interessante ainda é que por causa desse preconceito muita gente já foi enganada por aí.

Eu não quero essa pressão

Outro relato comum que já ouvi é que a pessoa com deficiência muitas vezes não quer essa pressão de ser alguém melhor. Ela já tem problemas suficientes para lidar e não quer ser exemplo pra ninguém. Já é difícil o suficiente encontrar um emprego descente, ter que fazer isso sendo um guerreiro é meio demais. Ela só quer ir na entrevista de emprego e dar o seu melhor. É fácil entender isso com um simples exercício de empatia. Imagine que as pessoas sempre esperam que você se supere, afinal de contas, pra quem pega duas conduções para ir à faculdade com 0% de visão, fazer mais isso ou aquilo é tranquilo não é? Agora imagine isso em todas as situações da vida. E imagine as pessoas repetindo o quão guerreiro você é por toda a sua vida. Deu pra ter uma noção da pressão que isso pode representar? A pessoa pode simplesmente não gostar dela e não querer passar por isso. Parece bobeira, mas deve ser um saco as pessoas esperarem uma superação de você todos os dias. Afinal de contas você só quer chegar em casa e assistir sua série favorita na Netflix.

Somos iguais a todo mundo

Já deu pra notar que esses pontos na verdade são todos uma forma de dizer que a pessoa com deficiência é igual a todo mundo. É assim que ela quer ser vista. Uma pessoa como outra qualquer, que tem suas dificuldades e suas superações, que acerta e que erra. É muito importante acabar com essa exotização da PcD pois ela só as afasta das outras pessoas. Qualquer idealização acaba por reforçar a sensação de que as PcD não pertencem ao grupo de pessoas comuns e isso é justamente o que queremos acabar quando falamos de inclusão. Pode parecer que idealizar uma pessoa seria algo bom pra ela, mas a separação causada pela idealização, quando estamos falando de um grupo que historicamente já não faz parte plena da nossa sociedade, só piora a situação. É muito melhor pertencer ao grupo, ser como os outros e receber o tratamento adequado para tal. Ser visto como parte da sociedade é fundamental para se sentir parte dela e para, no final das contas, ser efetivamente parte dessa sociedade.

 

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